2 de maio de 2008

48 minutos

Quando foi que aconteceu? Quando é que achávamos que sabíamos tudo, que éramos possuidores do mais puro e nobre amor e depois fugiste? Quando nos enganamos assim tanto que, julgando-nos conhecedores das palavras, as tuas ideias suaves, as minhas loucuras engraçadas, deixaram de se completar? Largaste as minhas mãos miseráveis, sem que o teu orgulho fosse esfaqueado por mil lâminas a arder, sem que eu te impedisse de seguir em frente sem julgar os danos que me causarias. Não ousei estender a mão e agarrar-te, impedir-te de desaparecer. Mas também não foste sequer digno de voltar-me um último olhar, ah!, esse teu doce e brando olhar! Soubesse eu o bendito mal que esses verdes olhos doces me lançaram. Bendito, sim, porque tanta doçura me deste, tantos sorrisos e noites a acordar contigo. Amar-te-ei sempre, sei. Amar-te-ei sempre, aparte as insatisfeitas desilusões, aparte os lamentáveis enganos, aparte os mortificados “amo-te” ditos em sussurros de Inverno, até essas me parecem insignificantes nadas comparadas com o amargo aperto que me transporta hoje pelas ruas de cinzento. Não sabes o louco que és. Não sabes. Não sabes o que me chora, o que me suporta, o que me desaba e desabafa, nas minhas horas loucas de mais apertada e ansiosa saudade. Horas, dias, semanas. Chego a não dormir, por vezes, tanta é a falta que a tua mão faz sobre a minha. Vamos casar as nossas mãos, por favor? Ou a minha mão e a sombra da tua? Esqueço-me que não me respondes agora. Sinto tanto este silêncio. São pesadas gotas de metal sobre os meus olhos. Gotejantes pedras arruinadas que esqueceste de levar quando me vens visitar à noite. Lembras a noite em que esperei por ti, à porta de tua casa, para que pudéssemos, tais desafogadas aventuras de adolescente, passar a noite agarrados, sem que ninguém soubesse, como segredos que apenas nós sabemos que guardamos? Recordas esses segredos? Pois eu levo-os comigo para todo o lado, como pedras preciosas que recolhi no nosso caminho, como guardanapos das nossas tardes a comer pizza, ou como bilhetes das noites de cinema em que criticávamos mais do que realmente víamos na tela. E espero deposita-los num altar a ti, com o teu rosto brilhante e sorridente e com o teu cheiro, as tuas pernas brancas e os teus ombros fortes, que nunca me deixavam chegar-te para te beliscar. Sorrio tanto quando penso em nós os dois. Naquele sofá onde ameaçávamos coisas impossíveis, onde criávamos histórias e fantasias tão irreais quanto o nosso espírito se sentia quando flutuávamos juntos. É como se as coisas mágicas e belas nunca deixassem de ser assim: mágicas e belas! E há belezas que se espalham por todo o lado, como o cheiro de belos malmequeres amarelos que desfolhei a perguntar-me por ti. Essa tua voz ecoa no silêncio. Atravessa ruas e ruas, passa toda essa linha de comboio e vem ter a mim, aqui, na minha morada, a 48 minutos de distância da tua. Tão perto. Tão longe. 48 minutos.

11 comentários:

Anónimo disse...

Denso e paulatino...Sentido no esparramar de lembranças, estranho como parece que sempre procuramos algo distante do agora, como um escorrer de areia por entre os dedos...

Belíssimo post dona moça (=

Beijo de além amar.

:*

Ás de Copas disse...

Eternos 48 minutos de saudade.

Um beijo

Lord of Erewhon disse...

Minutos, anos, o tempo gasta-nos, temos um relógio no lugar do coração, dá-nos corda, ficamos com a boca a sorrir sem querermos, os olhos tremem, e apanhamos os comboios que queremos apanhar, mas depois levam-nos para onde não queríamos, porque há um anjo louco que assombra as estações, as de pedra, as das flores secas, à espera da ressurreição, e depois acordamos absolutamente sós do outro lado do mundo, temos frio dentro da noite e, depois, sede, com o Sol implacável como uma espada, e queremos voltar pelo trilho imemorial das caravanas, porque sonhámos com a menina de branco, parada, à espera, em todos os apeadeiros do mundo.

Beijinho.

rafaela disse...

Tens uma alma que eu não consigo medir, Lord.

Eu tenho lágrimas. É por isso que não consigo adormecer. Estava à espera, a escrever. Mas a minha vida parece demasiado grande e demasiado pequena, numa simultaneadade que não sabia existir, para caber numa noite.

beijo
e um abracinho

rafaela disse...

Obrigada, Ás de Copas.

48 eternos minutos, pendentes, pendurados à espera de algo que não sei o quê. Raiva, frio, sabor. É suculento, amargo, polposo, preenche. Como um limão numa bebida.

No entanto dá gosto. E consola.

:) beijinho

rafaela disse...

Bill, as lembranças são aquilo que nos alimenta. E que nos suporta.

Como uma muralha num castelo jovem.

:)
beijos

Lord of Erewhon disse...

Estou à espera do texto! :)=

Lord of Erewhon disse...

Demora ainda muito? :)

Dark kiss.

Lord of Erewhon disse...

A Clareira - esta é uma Casa que precisa de ser vivificada pelo verde juvenil de uma nova geração de poetas.

rafaela disse...

Ando sem tempo, Lord. Tic tac, tic tac... Nem penso. Tempo de núvens, este.

:)

Mas ele há-de nascer.

beijinho*

Lord of Erewhon disse...

Olha, envia-me o teu e-mail num comment que eu não publico.
Quero fazer-te um convite.

Beijinho.