19 de janeiro de 2007

valsando

Autor desconhecido

Foi numa valsa.

A princesa branca brincava com o corpo, ondulava e sentia, eram a música dele e a leveza dela, num jogo de mãos e de sentires. Ele tinha os dedos de cristal que poisavam nas teclas gastas enquanto ela dançava. E que graça tinha ela. Aqueles pés de chuva mal limpavam o chão. A alma brotava-lhe nas pontas dos dedos que se abanavam como borboletas à espera do Mi, tocando ela um piano imaginado no ar, o sorriso balançava com as costas arqueadas, a blusa escorregava para o ombro, o cabelo pousava nas flores que ela colhia sem ver. O pé cortava o ar, fino. As teclas eram tocadas, que delicadeza tinha ele. Os dedos jovens, a cabeça a marcar o ritmo, a valsa a saborear os cabelos dela. Os olhos estavam fechados, mas ele via-a a dançar. E como dançava… As pernas longas arqueavam-se, flectiam, levantavam, rodopiavam, havia graciosidade, nuvem, gota, havia alma, havia espaço, havia cor, havia tortura, fogo, luz e havia sonho. A valsa esmorece, ela cai, ele fica. Chama-a a cada dedo que pousa, quebrando a quebra. Ela paira, ele encanta, eles vibram. Pousa os pés de veludo, o chão de madeira riscada deixa de ranger para os escutar, a beleza deles enaltece, cresce com os sopros ofegantes de quem os vê a fazer magia. Eles conseguem ouvi-los por detrás das notas. Ela ergue os braços [param os corações], ele abranda, persegue-a e ela gira, ele corre atrás do que lhe falta dar e ela estica os braços, recebe, de sabrinas acariciando os dedos, o etéreo ar que de ambos foi. Param. Os fôlegos ficam, ela agradece, ele também. [Os corações retomam a batida]. Dão as duas mãos brancas, suadas, as dele tremem, as dela apertam com força. Ela, no seu ar de elegância, traça as pernas e curva o tronco esguio. Ele aponta-a e sorri. Aplausos. Dão um beijo. Cai o pano. Aplausos. Eles esperam que a magia passe enquanto os aplausos abafam as lágrimas. Há o momento do silêncio sacro. Começam os burburinhos e as luzes acendem-se. E acaba-se a magia.

23 comentários:

Anónimo disse...

E os versos fluem como musica, sonoramente doce...

Pelo salão toda magia desce como a noite e tudo deve ser refeito... Mas sempre será lembrado... Sempre...

Beijo dona moça de lindas palavras, nha que saudades de tu.

:*****

Anónimo disse...

Sim acaba-se a magia, mas tornará a vir...!
As tuas lindas e suaves palavras fazem-me lembrar aquelas nuvens a sorrir para o arco-iris...!

Clarissa disse...

Magia mesmo é a tua volta :)
Um beijo doce :)

L. disse...

Quanto ritmo, quanta ousadia, quanto talento.

Melhor, só escolhendo La Valse D’Amelie como pano de fundo para o espaço. Tinhas razão, fundem-se, letra e nota, como o tempo, enquanto te leio.

Não deixes nunca de me obrigar a admirar-te mais e mais… ;)

Um beijo,
Bela bailarina de letras em veludo.

rafaela disse...

Fontez,
a mim as palavras fazem-me sempre sonhar. Só preciso das oportunidades certas para acompanhar o balançar ritmado do sono.

Beijos

rafaela disse...

Querida Clarissa, soube tão bem escrever esta valsa... Ao tempo que não sonhava assim. Já nem sentia o sabor ao que era ser livre fechada dentro de uma caixa.
Por isso sim, foi magia...

Beijinho, fada

mac disse...

Ao ler este post, lembrei-me do "Soldadinho de Chumbo", quando a bailarina dança para ele, e depois na parte final, lembrei-me da magia do bailado do "Lago dos Cisnes".

rafaela disse...

Rapaz... conheces-me bem, muito bem, aliás, sabes que não engano as pessoas :) por isso te disse que gostei deste texto, e que acompanhado pela música que o berçou, La valse d'Amelie (a versão em piano), era um momento mesmo mágico. Eu escrevi este texto em transe, adorando a sublicidade das palavras que cresciam como numa fonte na minha alma. Fui um navio em rumo a uma cidade perdida, algures onde não a via, e a sensação de a encontrar, ou de caminhar para ela, é melhor do que eu podia alguma vez imaginar...

Beijinhos frescos,
renovados agora pela simplicidade do meu complexo...

rafaela disse...

Doce Mac, «ele» e «ela» podem ser quem quiseres. O soldadinho de chumbo e a sua bailarina? Parece-me bem... O «Lago dos Cisnes»? Bela comparação, um elogio fantástico, obrigada.


Beijinhos

L. disse...

Ok, admito. Não consigo tirar a valsa da cabeça. Ou do ouvido. Ou do corpo. Ou de onde quer que esteja...

Tinhas razão, mais uma vez… ;)

Transe… sim, transe!

Um beijo para ti,
ainda com o sabor do sustenido no dedo

Klatuu o embuçado disse...

Cuidado com os «tanguistas»! :)=

Muito belo!
Dark kiss.

rafaela disse...

Rapaz,
os dedos sabem plantar as palavras melhor do que os nossos olhos as sabem colher...

obrigada
beijo, amigo

rafaela disse...

Klatuu, também sei ser muito «tanguista» de vez em quando!

Mas fica o aviso! :)

Obrigada
beijinhos...

Luís Filipe C.T.Coutinho disse...

Deixo-te um beijo a ritmo desta valsa lenta de imagens e palavras e palavras e imagens e imagens e palavras...

beijos

rafaela disse...

E eu, Contador de Histórias, aceito-o enquanto nasce um sorriso, espelhado na pauta que encanta a valsa...

beijos

rafaela disse...

:D

Klatuu o embuçado disse...

Acredito! :)=

Klatuu o embuçado disse...

Então... não se posta nada?

rafaela disse...

Klatuu, quem me dera ter tempo para postar, para escrever, para vasculhar novos blogs... Tenho conseguido seguir o que escreves, o que a Clarissa escreve, o que a Conteúdo escreve, mas não tenho tido tempo para comentar, pensar nas palavras até me doer a cabeça...

...isto de andar na faculdade não é assim tão giro como eu pensava... :)

beijinhos, Klatuu...

Clarissa disse...

Doce Rafaela... mas mesmo assim tens que arranjar tempo para valsar sozinha no escuro da tua casa... é delicioso ;)
Um beijo grande

Nandita disse...

Bom encontrar o teu cantinho com novidades... e com a beleza de palavras leves, como eu estava a precisar...
Ando com a cabeça em água, obrigada por seres remedio para mim ;)
Beijo (café domingo?)

rafaela disse...

O chão da minha casa já se rompeu, Clarissa, o chão e o silêncio, e continua a valsa a tocar sozinha, os meus pés arrumados na caixa...

beijo grande

rafaela disse...

As cabeças também precisam de se hidratarem de vez em quando... :)


(o café vai ser dificil... este tempo está a abusar da sorte!) :(

beijo, Caracóis