estado de (sem) alma

Minha alma: volta!

Sê minha outra vez, sinto-te falta. Destrói as teias de papel que eu deixei abandonadas em teu lugar, recorta as núvens acesas a verde que eu plantei no jardim que era teu, limpa as prateleiras de incenso que a cruz do teu peito se esqueceu de levar quando partiu... Minha alma, vê-me outra vez como um candelabro numa rua de calceta, vê-me como um falar de cor dos versos que me trazem nua para casa. Minha alma, sê-me outra vez, traz-te de volta na linha do combóio em que me sento, banco azul em que me deito, viagem branca em que me trago e devolvo ao que é meu e sempre foi...

E se eu vir as estrelas eu prometo que corro, prometo que fujo, prometo que vou atrás daquelas causas roxas que me penduram nos cometas e nas cinturas, tal asteróide de Marte, que solta um suspiro quando quer ser árvore branda num pomar de maçãs. E se voltares eu juro, juro que sou outra vez como antes, juro que continuo a roer as unhas e a rir alto, tal menina desajeitada, como os vícios que sempre tiveste em mim...

Agora, estado sem alma, sai. Vai-te, impossível suspiro de prata, quero ser-me em celeste laranja de vidro, quero redoma de ar pendente em volta dos meus laços vivos, quero-me num caixão de folhas secas, pendente nos ombros fracos de quem não me sabe segurar, quero-me outra vez reflectida nos olhos, ainda que branca e fria, de quem me aqueceu as mãos durante sempre...

E se não voltares, alma, prometo que morro, prometo que escuto, que esvaio... Prometo...

imagem: Petals - Kelly Sinkiewicz