13 de setembro de 2007

- I -

Os loucos não pertencem à Terra.


Às vezes tudo parece uma enorme derrota pendurada numa lâmpada, como um espanta-espíritos dançante, atormentado: uma luz pendente, sempre à espreita, como um cão desassossegado, como um bufo de olhos amarelos e intermitentes, um lampião que falha e tine e, à sua volta, uma enorme barreira de nadas, nadas e nadas. Nadas infinitos que, sem serem coisa alguma, como um enorme buraco negro impedem que algo se aproxime da luz. Luz que promete, que aquece, que chama, que brilha, rodeada de melgas e mariposas mansas, tal corpete dourado acentuando a silhueta dos raios quentes. Sugam tudo à sua volta, como vampiros sádicos e sedentos, e ele parece ser atraído para todos os buracos negros que existem na Terra. E não são poucos! Palavras tontas, risos esqueléticos, peles secas, mãos de trombose, piolhos, lêndeas, gestos demasiado pequenos, rostos vazias, olhos vidrados, lábios tortos.


Vivia quase sempre fechado. Tinha mais naquele lugar do que no resto do mundo! No entanto, sabe que as coisas se descobrem a partir de dentro, mesmo o que está lá fora, apesar de idolatrar mais a beleza de um céu pintado de fresco, de uma nuvem a passear ou de um mar raivoso do que qualquer outro sentado nos penedos da praia a abarrotar. No seu pequeno quarto apenas tem uma vela apagada e uma cama com uma eterna colcha suja. Nunca incendiava a vela. Nunca achou que precisasse. Via bem de noite, como um felino vadio que invade a escuridão com dois lumes negros verticais nos olhos. Também nunca destapou a cama. Não se lembrava de alguma vez ter dormido. Era louco. Era o mais são dos loucos.
Rapazola já com barba dura e corpo feito. Barba rasa mas não cortada, sempre com dois dias, como se vivesse sempre e só dois dias. Dois dias infinitos, repetitivos, iguais. Olhos escuros, inquietos, inquiridores, frios e orgulhosos. Tinha olheiras moles de quem dorme acordado. Boca arranhada, sempre, com os dentes ameaçadoramente estendidos, insaciáveis.
Gostava de ser culto, de ter sempre a ultima palavra. Percebia de arte, de música, de história, de física, de biologia, de anatomia, de filosofia. Queria ser sábio, sempre mais sábio, queria ser criativo, queria ser genial, mas queria ser também honesto. Sem saber queria ser criança. Mas ser sempre criança é ser diferente. E ser diferente dói.


foto: Paper - Oleg Dou

9 comentários:

Anónimo disse...

E noutro tempo se cria a ilusão do que queremos, entre boca seca e delírios...

Diferença que agrada também se quebra... Sempre uma ponte do qual paramos no meio, sem saber qual dos dois lados é melhor... Se é que tem um lado melhor x)

Saudades, espero que estejas bem.

Bom fim de semana pra tu.

(=
:*

s. disse...

gostei tanto do texto que está depois da imagem. não sei se é continuação ou não.
'e ser diferente dói.' *abana a cabeça*

Anónimo disse...

o titulo é em minha honra?
ser diferente doi mas é bom!

L. disse...

eu também já quis ser criança.

e louco.




…depois percebi que se não fosse já um pouco dos dois…não o desejaria para mim.

L. disse...

ah, e os loucos não pertencem a lugar algum.

...por isso é que são universais!


um beijo,
com o gosto da saudade. a que os outros não conhecem..

rafaela disse...

Luís,
nem sei!

:)
Obrigada por me conheceres.
Obrigada por me conheceres bem.

Eu também tenho a minha criança louca. Senão não nos daríamos tão bem! :p

beijo
*tu sabes

rafaela disse...

Não Jota, o título não é em tua honra...

É só a representar o primeiro de uma série de textos que tenho em mente. E que se completam.

Ser diferente dói. Eu sei.
Mas é bom. Depende dos dias...

beijinho

rafaela disse...

S.,
sim, o texto depois da imagem é a continuação do que está antes.

Apenas se foca mais no herói/personagem. É mais específico.

Obrigada por gostares.
:)
Cumprimentos*

rafaela disse...

Bill,
ao tempo!

Ser diferente tem um lado bom, Bill. Mesmo que doa, mesmo que custe, mesmo que mate, tem um lado bom... E porquê? Porque pelo menos não representa o ser estático, não representa o ser cómodo. Não representa o ser influenciável.

beijo, rapaz além-mar!