
Eles estavam habituados ao silêncio. Sempre viveram numa casa tão velha quanto eles, e as paredes obedeciam-lhes à vontade de viverem sem muito ruído. Viviam no sopé de um monte, perto de um fresco riacho, num pequeno paraíso perdido no meio das margaridas que pintavam o horizonte na primavera. Tantas histórias aquelas águas e aqueles campos poderiam contar se falassem... Por vezes, ficavam horas de mãos dadas a olhar para o pôr do sol que encandeava o céu, e recordavam em silêncio outros que ali, naquele mesmo sítio, com aquelas mesmas mãos tinham visto... A beleza tinha-se transformado nas rugas marcadas, mas para o outro, o companheiro de sempre continuava a ser belo e jovem, num amor quase tão eterno como a luz negra dos universos que alguém tinha inventado. Eles não percebiam de geografia, de anatomia ou de ciências, em letras não eram muito bons, em matemática faziam as contas dos trocos quando iam à mercearia do senhor Francisco, de história sabiam apenas os contos de mouras e princesas encantadas que os seus pais lhes contavam quando lhes custava a adormecer, mas percebiam de amor, sabiam de cor as luas e os frutos melhores de colher a cada época do ano, sabiam o nome dos pássaros que os acordavam de manhã, quando ainda estavam abraçados na pureza do outro, conheciam os cheiros do pão quente que ela tão bem fazia e de cada parte do corpo sabiam o sabor. Ele já lhe decorara todos os trejeitos com a boca e os perfumes das madeixas do cabelo outrora escuro como a noite que agora chegava. Sabia que ela adorava um beijo logo de manhã, amor despojado na testa para que brilhe a cada sorriso, e que detestava que ele não estivesse em casa a horas para jantar. Ela fazia muitas vezes a sopa especial que ele tanto lhe pedia, com o toque especial que ela fazia questão de quardar segredo. E eram tão felizes assim...
Gastavam as horas, os sorrisos, as palavras e até o silêncio, porque o silêncio também se gasta em longas conversas sem que a boca se abra. Os seus olhares diziam mais do que as biblias e os livros que se escreviam agora, não havia relógio que contasse o tempo em que estão um para o outro, nem medidor que lhes mostre o quanto se amam.
Todos os dias eles eram iguais a si mesmos, faziam as mesmas coisas, quase diziam as mesmas palavras, andavam pelos mesmos caminhos e amavam da mesma forma, sempre da mesma forma.
Aquilo a que chamam monotonia era o mais puro desejo de repetição. As suas vidas percorriam um longo ciclo, uma vontade de que o amanhã seja igual ao hoje e este ao ontem, numa sucessão inesgotável de felicidade repetida. Porque felicidade é a vontade de ver sempre a mesma face, é o desejo de apertar sempre as mesmas mãos, é querer ser sempre o mesmo manto verde a cobrir o vale.
E eram tão felizes assim...
24 comentários:
Hummmmm que delicida, quase posso sentir o orvalho da manha nesse lugar magico descrito...
A felicidade esta nas coisas mais simples, o mundo de hoje nos faz esquecer que tempos tudo para ser feliz e não somos...
Incrivel descrição, linda, cheia de vida.
POdia eu morar em um lugar assim, deixar a terra girar, olhar a lua no fim de noite ao lado da pessoa amada.
Uma paraiso... Um sonho... Uma possibilidade =]
Lindo lindo lindo, obrigado por essa lembrança, por esse desejo, por esse sonho =]
:*******
Às vezes a realidade pode ser bem mais deliciosa do que a magia que inventámos, Bill, e a felicidade está bem ao nosso alcance, mas como andamos cegos e demasiado ocupados para a vermos a nascer com o sol perdemos milhões de oportunidades de a apreciarmos e vivermos...
Um beijo de sol, e vê sempre a felicidade a aproximar-se de ti
Lembrei-me da Invenção de Morel do Byoi Casares, no que diz respeito à ideia de repetição. Tentar definir a felicidade é sempre arriscado: a felicidade para uma pessoa pode ser o inferno da outra.
Lembro-me de quando acabei de ler a obra de San Juan de la Cruz ter pensado: aqui está um caminho para a felicidade, mas não o meu!
André Ferreira, todos temos a nossa própria concepção de felicidade, e cada um segue os seus próprios caminhos para a alcançar, defendendo as suas próprias ideias e valores... Desde que não se prejudique o próximo nem se falte ao respeito das convicções dos que nos rodeiam a felicidade é tão subjectiva quanto os conceitos de beleza, amizade ou amor... Cada um faz a cama em que se deita mais tarde...
Este ideal é o que eu quero para a minha vida, e espero que seja tão feliz quanto eu vou ser a percorrer os meus passos...
Um abraço
E deve ser maravilhoso envelhecer ao lado de quem amamos...quando vejo 2 velhotes de mão dada e os olhos ainda a brilhar, assaltam-me pensamentos bonitos e fico enternecida a vê-los.
Como concordo contigo, mac... Nada deve ser mais gratificante do que chegar a uma altura da vida em que não há mais nada que quisessemos que não estivesse ali na nossa mão...
Espero um dia ter esse prazer, de sorrir à felicidade com orgulho e simplicidade...
Obrigada pelas palavras
Um beijo doce
tb quero ser feliz, sabes? com ou sem o prazer da monotonia, envelhecendo sozinha ou ao lado do amor da minha vida... so sei que quero ser feliz, e hoje parece que nao consigo
Beijo (mau dia para comentar coisas felizes, nandita!)
Ás vezes sentimos a chuva a escorregar por entre os dedos, e mesmo que os apertemos com força há sempre alguma fenda que não conseguimos tapar, como se as células absorvessem a água e a deixassem passar para o outro lado, em osmoses desesperantes... Então, de repente, deixa de chover, o céu fica limpo, e já podemos soltar as mãos...
Espero que deixe de chover brevemente...
Um sorriso, amiga, e que o vento empurre as núvens para outro lugar...
Beijo de força
Oi linda...
Vi lhe avisar que roubei ^^ um pedaço do seu sonho para deliciar meus leitores... Espero que não se importe :( Mas achei lindo demais e quis mostrar para mas pessoas =]
Lindo dia pra tu
:***
que texto lindo
eu tenho alguns pares de contos sobre uma casa antiga onde eu moraria com um amigo. numa relação incerta de amor/amizade. passaram-se os anos, os planos foram engavetados juntos os textos e hoje estamos todos cobertos de poeira e teias.
Maria...
é tão bom regressar às gavetas com pó, desatar os laços que prendem as memórias e regressar aos tempos de felicidade por correspondência...
Vou dar uma voltinha ao teu blog e a esses textos e planos engavetados...
Limpa sempre o pó e retira essas recordações das gavetas, pois são essas palavras ditas e trocadas servem que nos alegram a vida e incham o ego... ;)
*Volta mais vezes*
Felicidades, e um beijo
Querido Bill,
claro que não me importo... É até um prazer sussurrar no teu cantinho e é um prazer que tenhas gostado destes meus devaneios tão idealistas para os tempos em que vivemos...
Obrigada pela força que me tens dado e pelo carinho...
É sempre um prazer meu ser lida por olhos tão atentos e sorrisos tão belos...
Um beijo doce, amigo...
É sempre um prazer, ler-te :)
Beijos
Por vezes a felicidade é tão simples! Quando aquilo que temos é precisamente aquilo que queremos... somos felizes.
Belo texto, suave e simples como este amor narrado.
Inês Diana,
ainda bem que achas isso...
também é sempre um prazer ver caras como a tua por estes lados!
Volta sempre
um beijinho na alma
Moonshine...
como tens razão...
e por vezes é tão complicado apercebermo-nos disso e passarmos a vida à procura da felicidade que deixámos escapar nos sorrisos e nos abraços, nos passeios de mão dada a ver o sol pousar-se que esquecemos de ver...
Obrigada pela visita e pelas palavras belas e sábias...
Um beijo do coração
Envelhecer ao lado de quem se ama: um sonho!
Não querendo plagiar, mas já o fazendo, fico encantada quando vejo dois velhinhos, de mãos dadas pela rua, ou fazendo compras, ou na praça brincando com os netos.
Um dia, quem sabe...
Cris, a concepção de felicidade varia de pessoa para pessoa, mas sabe tão bem ver que a felicidade pura, aquela em que não queremos mais do que temos, afinal ainda não morreu... sabe igualmente tão bem ver os meus fragmentos a viajar para tão longe e a conhecer novos rostos...
Obrigada pela visita
volta sempre... as minhas palavras serão sempre nascidas para que outros se alimentem delas...
Um beijo doce e, sim... quem sabe...
Oi linda!!!
Saudades de tu... Essa nossa vida corrida heim.
A honra é minha de ter seus textos o eu humilde blog, suas palavras doces deixam muito mais agradável e todo mundo gosta.
Fico feliz que tenha gostado do meu projeto do nosso querido Pessoa, estou pesquisando, juntando material quero deixar tudo arrumado e com fácil acesso.
Qualquer idéia para melhorar, qualquer dica, critica vinda de você será uma hora pra mim viu, se achar algo errado ou que tu aches que possa ser feito de melhor forma por favor fiquei a vontade para falar.
Linda noite para você moça =]
Beijos
:****
A beleza da repetição…sim realmente a vida não passa de um ciclo, que se completa e volta a iniciar mesmo á nossa frente e nós teimamos em não ver…sim, porque já me apaixonei e quando o ciclo se completa aquele amor esfuma-se por entre as nossas mãos, é ai que a vida volta ao início onde a dor me marca…Afogo-me noutros braços, noutro amor, noutro ciclo que teimo em não querer ver, noutro fim igual aos demais…Vou me escondendo por detrás das falsas esperanças de que este será diferente, os sorrisos abraçam-me o seu amor delicia-me. Tudo parece novo, as esperanças acertadas. As horas arrastam a noite para o fim e o dia para um novo alvorecer, mas eu não quero deixar os teus olhos partir, prefiro perseguir a noite como um viajante de país em país, tudo para que este nosso amor não seja como todos os outros…que insistem em acabar. O sol chegou…os teus olhos partiram para longe levando o meu coração, restando-me a assim nenhum espaço para outro ciclo…
Beijinhos Rafa, continua a deliciar com a tua escrita...
Emanuel, o amor pede-se e dá-se, cresce com as armas que aprendeu nas guerras passadas e sorri com esperanças reprometidas em cada novo amanhecer...
Nunca deixes de acreditar que os ciclos se podem alterar, nunca deixes de crer que as palavras se transformam em mágicas letras, porque o amor, tal como as palavras, são vivas, e obedecem a vontades que só elas mesmas conhecem...
Sem perder a esperança de reencontrar outros círculos que queirámos percorrer,
um beijo, amigo, e espera que o céu caia para que possas tu elevar-te a ele...
Por momentos perdi-me nas tuas palavras…no quadro que pintas. Como é bom ler alguém que ainda crê no eterno amor puro. Já não é comum, hoje… E quão bom seria não ter de voltar à real distância das palavras tuas.
Esse sopé, esse riacho, essas mãos, esse ciclo, esse amor…como os queria para mim, e para os outros. Mas creio, infelizmente, que não deixe de ser um quadro que pintas… Como disseste, as palavras gastam-se, e o silêncio também.
Evoluis como o vento, querida Rafaela, para o norte que mais tens vontade, mais calmo, ou mais feroz, mais denso, ou ameno…mas sempre, e cada vez mais, forte e seguro de si.
E como é bom acompanhar o crescimento de alguém com tamanha coragem e engenho nos lábios...
, um beijo renovado pelas palavras que me dás
Rapaz,
que palavras belas e encorajadoras deixaste aqui, numa parte da minha vida tão importante que toca, de facto, o meu coração e as minhas mãos...
Não sei se crêr no amor puro e verdadeiro ainda alimenta o corpo, mas confesso que alimenta a alma, que sacia os lábios e que sabe a chocolate quente no coração.
Sim, as palavras gastam-se e o silêncio também... Mas enquanto pinto os quadros que imagino sucederem-se em mim cresço em mim e nos outros e planto a minha árvore, ou semente na terra do próximo e desejo ardentemente que a semente cresça e dê fruto... e que o mundo fique melhor... ou pelo menos com mais amor!!
Um beijo doce
que brilhes sempre
Acredito no amor verdadeiro, sincero. Contudo, vejo que é cada vez mais dificil acreditar no amor eterno. As relações acabam e apenas resta, a quem fica, colar os pedaços do que ficou de um sonho de ser feliz. Mesmo assim eu tento, com toda a minha vontade, acreditar que tudo o que descreveste pode ser verdade... que um sorriso possa valer mais do que muitas palavras e que esse sorriso se possa prolongar para sempre.
Seria tão bom se todos nós conseguissemos ser assim felizes, despojados de tudo o que é supérfulo, acreditado sempre na simplicidade de sentimentos e lugares.Mas é tudo um paradoxo e nunca conseguimos largar tudo e procurar esse lugar... o nosso próprio lugar.
Espero apenas que tu, minha querida amiga, tenhas sempre a vontade de procurar a felicidade nesse lugar, e que talvez... até o consigas materializar...
Beijinho
Enviar um comentário