um dia sorriste para mim. Trazias em ti a beleza de um pássaro a cantar no alto de uma árvore, nu, sem máscara, sem falsetes, só ele e o seu canto ruivo, a fazer renascer em mim os dias tristes de quem te viu partir. Eu deixei que me afagasses outra vez, como antes, e antes, e antes, e que os teus cabelos longos ferissem em mim e deixassem cicatrizes de sangue, sem que o tempo e a paciência as curassem. Depois partiste novamente, sem me dares uma razão que me fizesse baixar os braços e resignar-me, achando que as coisas alguma vez iriam melhorar... Mas eu sabia, no fundo, a razão das tuas ausências... De facto, conhecia-a melhor do que me conheço a mim... Sabia que irias renovar o teu ar e o teu corpo, que viverias dias sem a água dos meus beijos, afinal não tão fundamentais assim como me fizeras crer, e que voltarias, um dia, para te alimentares, qual gato vadio que transcede os muros em redor para se salvar, mas que sempre a casa regressa para ser salvo.

Um dia destes ainda conseguirei dizer-te adeus com o rancor que espero sentir mas, por enquanto, a ilusão de que me vou embora deixa-me com o coração tão apertado como se tivesse nascido outro corpo inteiro, sem alma, dentro de mim, outro corpo que, sabe, empurra para fora tudo o que em mim há, fazendo esquecer que o corpo é meu e que eu mando.
Dóis-me, sabes? Dóis-me e matas-me com cada toque, como se queimasses viva a minha carne gelada de não te ter. Assassinas-me a cada olhar negro que me penetra nas entranhas fazendo-as silvar, fazendo-as morrer e levando-me consigo. Sufocas-me a cada beijo, prendendo o meu ar nos teus pulmões e fazendo-me implorar pela vida ao teu peito.
Mas já sei como vai ser...
Vou acabar esta carta com a perfeição dos meus desejos, assiná-la enquanto as lágrimas secam com as costas da mão que treme, selá-la com o cântico do pássaro que um dia me fizeste ouvir, amarrá-la com a força toda entre os dedos até que se amachuque e depois... depois perdê-la-ei no meu choro vão, queimá-la-ei com a chama que me mata em ti e prosseguirei, como se nada tivesse sido um mecânico suspiro de indiferença ou um verbo demasiado longo para que eu o pronunciasse.
Espero-te para jantar, então...
Um beijo com o amor que pensei ter esquecido,
sempre teu
14 comentários:
Aviso: comentário excessivamente longo, digno de ser ignorado pelos mais apressados.
Li em voz alta (tom baixo e melancólico) esta carta. E por momentos, confesso, esforcei-me para não acreditar que fora eu quem a escrevera para uma Mona qualquer. A simplicidade comovente com que escreves, torna-te ainda mais bela. Faz-te chegar ao coração, e mais, à mente de quem te lê, independentemente de quem seja. Tocas-me, como tocas outro qualquer. De forma diferente, é certo; mas do mesmo jeito. E que bom é ser tocado por ti. Por essa magia pulcra que emanas em cada suspiro de livre angustia consentida.
Digo mais:
se uma lágrima não me escapa, coisa de que não estou convencido ainda, é de certo porque a réstia de sensatez que mora em mim me puxa, pela camisola, de volta ao mundo dos sonhos reais.
Curvo-me perante ti, bela pintora de sonhos.
Um beijo submisso. Pinta, pinta sempre.
Tu, de facto, tens imenso talento!
Dark kiss.
Rapaz,
de facto, ser elogiada com tamanha veemência e cuidado faz com que os quadros vindouros se empenhem mais para brilharem com a intensidade das estrelas.
Volta sempre, querido amigo, porque sentir-me flutuar nas palavras que me cantas é das mais belas formas de crescer que eu encontro...
Um beijo doce como a palavra
Lord,
é tão bom voltar a ter-te por cá e a receber a palavra de quem tão bem a cria... É para mim uma honra receber-te na minha casa...
Obrigada pelas palavras que tão bem fazem ao meu ego :)
Um beijo negro, com a beleza da noite e das pedras...
E ali entre as letras me perco, tropeço nas palavras bem escritas com sentidos tão bem traçados.
O que sempre me atraiu na boa escrita é o poder que ela tem de seduzir a mente, de fazer o pensamento seguir como se aquelas palavras fosse sua vida. Gosto disso pois é uma das essências dos sonhos, um espelho para refletir os desejos mais profundos.
Por isso cada vez que venho aqui saiu mais e mais sonhador, mais e mais feliz por suas palavras.
Claras e poeticamente traçadas.
Obrigado por sempre deixar pingos de vida pra mudar a minha Realidade Torta.
"Tu eras uma ausência que se demorava; uma despedida pronta a cumprir-se".
{Cecilia Meireles}
Ótima semana pra tu moça de alem mar, dona das palavras dos sonhos.
Beijos
:****
Não estou conseguindo dormir então acabei me lembrando de uma frase e me lembrei do post...
"É sempre no futuro aquele pânico...
É sempre no meu peito aquela garra... (...)
E sempre no meu sempre a mesma ausência..."
{Drummond}
:****
Bill,
é sempre tão bom abrir as portas da minha alma para quem tão bem a sabe escutar e entender...
Ainda bem que ficas mais sonhador e mais feliz quando por aqui passas, pois enquanto ouver alguém que acredite nos sonhos eles não vão morrer... É como acreditar nas fadas na história do Peter Pan: quem acredita em fadas bate palmas para que elas se salvem... Aqui é a mesma coisa: quem acredita em sonhos e acredita que a magia flutua por aí, em cada fio de cabelo, ansiando ser encontrada, que sorria sempre e que bata sempre palmas...
"Tu eras uma ausência que se demorava; uma despedida pronta a cumprir-se"... que bela frase...
Obrigada pela visita, pelo carinho, pelas palavras, pelo sorriso em que o meu dia se transformou após receber a tua visita...
(Espero que tenhas conseguido dormir direitinho!) :)
Um beijo terno, com a doçura das palavras
e uma boa semana, cheia de sonhos
Querida Rafaela... no meio desta linda carta perdi-me na frase «choro vão» e emtudo o que ela representa, ou talvez para tudo aquilo a que remete e não está explícito aqui na carta. Quantas destas cartas vamos escrevendo ao longo das nossas vidas, a maior parte delas escritas no silêncio dos pensamentos, sem papel, em que a única coisa que rasgada são os sulcos das lágrimas que correm.
Um beijo doce Rafaela, por esta triste beleza.
Clarissa,
o meu dia ficou mais brilhante com o teu regresso à minha humilde alma já cheia de saudades de tão ternas palavras...
De facto, quantas cartas vamos escrevendo sem que se preencha o remetente, quantas cartas vamos ridigir na nossa própria memória, nos nossos próprios sentidos, que depois esquecemos de propósito, só para não encarar a possibilidade de ouvirmos os nossos sentimentos gritar...
Mas o choro, se é em vão no estado das coisas, não o é, de todo, no estado de alma, pois alivia a dor e traz novas luzes ao caminho de novo reaberto...
Obrigada por apareceres de novo, isto sem ti não tem tanta graça;)
Que o caminho se livre de choros vãos e que haja sempre papel para que as cartas se escrevam...
Um beijo, doce Clarissa, boa semana
"Longa é a tua ausência"; há pessoas que rasgam a nossa existência, e nada voltará a ser como antes; quantas vezes queremos elevar a voz para libertarmos desse amor obcessivo, que nos magoa, que nos destrói por dentro, e a nossa coisa que conseguimos fazer é murmurar palavras apenas no nosso pensamento, e oferecer de novo, de novo e novo o nosso amor a seu gato vadio...
Belo post, lindo...
Mac,
como tens razão, mais uma vez...
e quando esses murmúrios se diluem no ar e no espaço que está à nossa volta, sem que se solte som, parece que tudo se torna repetidamente doloroso, repetidamente frustrante, repetidamente monótono...
Obrigada pelas belas palavras, volta sempre...
Ah... adorei a tua postagem sobre o Ysmael... fiquei sem fôlego...
Um beijo doce, obrigada...
A cada dia que passa,a cada segundo que falo para ti,a cada texto k leio impressionas-me cada vez mais.
És algo que não tem explicação...uma rapariga exelente em todos os sentidos e com um talento enorme.
Adoro ler os teus textos e acredita que não sou grande apreciador da leitura.
Algo neles que me marca muito e s calhar e por isso que os leios vezes sem conta.Todos me tocam bem la no fundo,mas este e um dos meus preferidos.
Continua assim,acredito que podes ir longe.
Beijos de quem te adora
Bela carta... o adeus incompleto, o abraço final que não se desprende, o gesto derradouro que aguarda o retorno ao jantar... um poema em forma de carta. Vou linkar seu blog para não mais perder estas belas palavras.
André,
é para mim uma honra receber tão belas palavras entregue pelas tuas mãos...
Esta carta é, de certo modo, uma luxúria por parte "dele", pois mesmo podendo abandonar o amor, com dor e coragem, é certo, não o faz com desculpa de uma dependência tanto física como psicológica. Mas sim, é um poema em forma de carta!
Acho piada teres escolhido para ler textos mais antigos... Nunca se sabe o que as memórias nos escondem... :)
Um beijo,
obrigada pelo link... ;)
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