through her eyes...

Olhei através dos seus olhos.

Tinham tanta luz, tanto espírito, tanta música, tanta história, tanto choro adiado e tanto amor reprimido. Tanto de mim havia naquele cinzento ruivo, tanta magia encontrava minha naquele verde-folha de outono, tanta lágrima salgava aquele rosto alvo.

Olhei através das cores, vi flores a percorrerem os espaços vazios entre as florestas mágicas, vassouras de giesta a limpar as sementes de verde que se espalhavam pelos campos de trigo, pássaros a dançarem em volta das árvores altas que se erguiam perto da casa branca, e um fiozinho de fumo com sabor a mel a fugir pela chaminé. As núvens estavam quietas, quase tão reais como nos meus desenhos de quando era criança e o sol sorria-me com uma força que me queimava os olhos jovens.

Olhei através dos olhares vazios e vi tristeza a nascer nas faces de quem ainda não deveria saber ser triste, vi fome a percorrer as barrigas inchadas ao sol, vi guerra a combater a felicidade de quem precisa de um sorriso ou de um abraço, vi crianças a fazerem anos e a receberem uma arma como presente envenenado, vi maçãs a cairem e meninos de olhos grandes a correrem sem braços, vi minas pessoais a rebentarem nas pernas de crianças sem culpa, vi sangue inocente a lavar as pedras negras, vi mães a perderem os seus filhos com a tristeza de quem perde mundos cheios de riqueza incontável, vi palestras inúteis a servirem de refúgio a consciências enquanto via crianças nuas a chorarem a um canto por uma família sem morte na cara.

Vi magia roubada e magia perdida, vi virgindade fingida, hematomas nas costas de quem não tem força para as carregar e nos braços finos vi fibras de amarras doentias a esconderem-se por baixo de um sorriso curto e de um olhar dirigido para o chão cinzento. Vi cores a desfalecer, contentores a servir de casa, miséria a servir de vida e suportes a desabarem em torrentes com demasiada força para que as segurassem. Vi viagens só de ida, vi sonhos adiados e sonhos perdidos, desejos arrumados e esquecidos, palavras prometidas e transformadas em monstros de mil braços e vi campos de erva alta a arderem sem que as minhas lágrimas chegassem para apagar a chama que consumia tudo.

Fechei os olhos... não conseguia ver mais nada e ainda havia tanto para se mostrar...

Ela deu-me a mão pequenina, com os dedos tatuados a dor e cicatrizados pelo tempo, cedeu-me um sorriso que preencheu o meu mundo pequeno e triste e começou a andar, em passos curtos, de quem não tem já a esperança de chegar a lado algum...