15 de julho de 2006

próximas batalhas


Já recordo.

A sombra sem rosto aproximou-se. Estendeu a mão calosa e tocou no meu rosto pálido e débil. A mão era gelada e branca como uma concentração exagerada de ar que se expande subitamente e forma vazios magnéticos. Uma quase vida ou quase morte separada por uma linha invisível de batimentos compassados e embalados por pulsações contínuas e ainda assim fracas e inaudíveis. A sua pele deslizou contra a minha enquanto eu asfixiava a minha presença etérea, mas a vibração orgânica deixou-se cair enquanto tomava a minha mão ingenuamente hesitante.
Apertou o meu estigma dourado do fogo e soprou-o com o fôlego inquieto e penetrante e a ferida definhou sobre si mesma, dando lugar à suave pele homogénea a que já me havia desabituado.
Recordei também a espada brilhante que repousava ao seu colo e que eu olhei de relance, mantendo uma atracção discreta pela lâmina afiada que reflectia a cor imperceptível nos meus pulsos. Ele apercebeu-se e embainhou a espada com um lancinante silvar de dor soltando o meu olhar por breves instantes. Recuperei a sanidade e voltei-me para a janela mais próxima, esperando que o sol nascesse para eu reencontrar a minha próxima caminhada que já se adivinhava sangrenta.
Deixei-me cair a um canto, e embrenhei-me nos meus bosques arquivados de momentos que memorizei. Relembrei os cânticos, as preces, as vestes, os costumes.
E odiei-os a todos.

Quando percebi qual seria a minha batalha quis lutar e vencer. Cheguei a mão renovada à lâmina dele, arranquei-a sem uma palavra e saí com passos largos e firmes. Não havia palavra que lhe explicasse mais do que a chama dos meus olhos.

Sentei-me nos meus baloiços da memória a contraluz, juntei as mãos cansadas e repousei a testa. Guardei a espada no alforge quase roto que sempre me companhava. Mais tarde iria ser forte como nunca e novamente me doíam as feridas que tinham já sido magicamente curadas.

E eu nem sequer lhe tinha agradecido...

17 comentários:

Clarissa disse...

Doce Rafaela...aqui está um momento repleto de Força, Magia... o Toque do Anjo, da Vida, da Luz, que cura as feridas do corpo e aponta O Caminho... E sentimo-nos tocados por esta vida que nos anima, que não desiste, que segue em frente, que trava batalhas, ultrapassa os medos,se ultrapassa a si própria...
Penso que sabemos as batalhas que temos que travar,só temos que encontrar essa Força,essa lâmina... juntar as mãos... repousar a testa e acreditar que tudo é possível.
Lindo,Rafaela, lindo e absolutamente comovente.
Um enorme beijo de luz.

Lord of Erewhon disse...

Tens um talento imenso e raro. Só tens de trabalhar a técnica, ler muito, tornares-te uma boa leitora do que escreves.
Lê com atenção o texto, sente a sua respiração, e pontua melhor.
Dark kiss.

Anónimo disse...

Ola...

cada batalha é um novo começo... Nova luz no horizonte negro...
Nem tenho o que falar... Concordo do a querida Clarissa em tudo...

"Deixei-me cair a um canto, e embrenhei-me nos meus bosques arquivados de momentos que memorizei."

Perfeito.

Linda semana pra tu

:***

rafaela disse...

Querida Clarissa... A intensão deste texto foi mesmo dar força a quem se sente sem ela para continuar, porque mesmo que não a encontremos em nós ela está lá sempre, apesar de, por vezes, não sabermos bem o que fazer com ela.
Obrigada pelas belas palavras que também me comovem a mim...
Acredita também sempre que tudo é possível...
Um enorme beijo de magia***

rafaela disse...

Lord, as críticas construtivas fazem-me muita falta. Sou inexperiente e muitas vezes não sei como contar as coisas que vejo no meu imaginário. Já a pontuação é um problema de há muito tempo. Mas prometo que vou ter mais cuidado! ;)
Obrigada pelas palavras e pela visita. Admiro-o imenso enquanto escritor e é um prazer ver que as minhas palavras são ouvidas por gente enorme com um talento também ele enorme.
Beijo mágico

rafaela disse...

Querido Bill, é uma honra ver as minhas palavras chegarem tão longe e serem escutadas por alguém tão atencioso...
Sim, cada batalha é um novo começo, e cada começo implica novas lutas, novas feridas, novas vitórias. Cada novo começo dói, cansa, extasia, desilude, deslumbra e traz vitória. Traz sempre vitória, mesmo que sejamos derrotados. Porque as batalhas que travamos trazem sempre experiência que poderá ser utilizada em lutas posteriores, e isso nunca se perde...
Um beijo***
Boa semana

Vampiria disse...

magicamente forte. Quem pretende dar força só pode ser das criaturas mais fortes. beijo

rafaela disse...

Vampiria, as criaturas fortes dão força por inspiração, por transmitirem esperança e abrigo a quem teme e não combate, por serem exemplo, por serem lideres, por serem magia aos olhos de quem não se revolta...
Obrigada pela visita, volta mais vezes...
beijo de força e magia***

Liliana Silva disse...

Mas agora era altura de descansar :)

Escreves bem, comparações ricas e muitos adjectivos, acima de tudo, excelente imaginação.
Obrigada pela tua visita no meu quarto azul, volta sim. Eu também cá voltarei para ler mais do teu :)

**

Barão da Tróia II disse...

Tá excelente, continua. Boa semana

rafaela disse...

Barão, obrigada pelas palavras...
É sempre importante saber que somos bem recebidos na mente dos outros...

beijo de magia***

o alquimista disse...

Passei e gostei do teu espaço, volto se não te importares.

rafaela disse...

Alquimista, serás sempre bem-vindo aos meus fragmentos. Ainda bem que gostaste.
Serás sempre recebido com a magia do meu fantástico mundo
Obrigada pela visita...

Beijo de magia

o alquimista disse...

Obrigado também pela visita Rafaela, a ponte está feita, voltarei sempre...

Um beijinho

Klatuu o embuçado disse...

Curto bué os teus óculos! :)=

Velutha disse...

Gostei do teu post e da força que ele me transmitiu. Beijos

Anónimo disse...

É engraçado…como em tantos rostos diferentes, em tantas formas de vida, vejo nestas palavras o culminar da minúscula palete de sentimentos que nos enchem…por mais diferentes que sejamos sentimos todos da mesma forma em intensidades diferentes…
Já me vi na praia a caminhar lado a lado com as chamas do mar, que me queimavam com o desgosto de os azuis olhos da minha amada…onde aquela eternidade de azul me preenchia de memorias dos seus olhos…onde cada uma me ia queimando lentamente… contudo os sentimentos são poucos mas fortes e a refrescante força do azul do mar suavizou a dor das chamas e mostrou-me o talismã da vida, que agora recuso-me a destruí-lo…

Que a força nos a assista a todos nas nossas batalhas…

Beijinhos Rafa…