Havia, certa altura, um rapaz que gostava de tigres. De tigres e, ouvi certa vez, de cactos. Esse rapaz era moreno e calado e dizia-se que via o mundo como um imenso campo energético em que nós, como pequenos electrões atarefados como formigas dávamos voltas infinitas nas intermináveis camadas de valência sem destino. Seria esse rapaz doce então como um núcleo atómico, vendo todos girarem à sua volta num frenesim, mantendo sempre o ritmo imposto pelo vácuo circundante, girando, girando, girando como piões infatigáveis.
Às vezes o rapaz tentava dizer algo, falava muito alto, mas ninguém o queria ouvir, tão ocupados estavam em perceber o caminho já percorrido infinitas vezes, em procurar falhas que se tinham escapado na volta anterior. Não o ouviam porque ele estava no centro e não era suposto olhar para o lado. Tinham-lhes ensinado uma vez, num sono pavloviano, a não olhar para o lado: deviam olhar em frente, sempre em frente, girando estonteantemente, isso era o correcto, aí seria o caminho, seguindo os outros como numa manada imbecil.
O rapaz então calava-se, limpava o suor da testa vermelha de tanto gritar, escrevia sinais em folhas de papel A4 e agitava-os. Mas ninguém olhava para o lado. Todos os electrões olhavam em frente, só em frente, para os rabos dos outros electrões e continuavam às voltas, às voltas, sem enjoar.
Às vezes os electrões viam outros electrões de outros átomos a girar e pensavam piedosamente "Pobres coitados, perseguem-se uns aos outros como doidos!". O rapaz sorria com placidez e quietude e continuava a tentar dizer-lhes algo.
Quando conheci o rapaz ele estava já transformado numa estátua branca. Era uma estátua de mármore, alucinante, de punhos cerrados, lágrimas de desespero e boca aberta, porém muda. Comecei a chorar, vendo o seu desalento feito em pedra.
Ai, rapaz que gostava de tigres, como gostaria de te ter ouvido…